Essa história começou num lugarzinho chamado San Pedro do Atacama.
Vínhamos de Iquique e paramos ali só para conseguir uma carona na alfândega. Haviam caminhoneiros de todas as nações latino americanas, mas ninguém rumo a terras argentinas.
De acordo com "seguras" informações, San Pedro era o paraíso dos mochileiros, mas quando lá chegamos, o que encontramos foram outros jovens viajantes desapontados... o pensamento predominante: "não se fazem mais caminhoneiros como antigamente"...
Três longos dias: uma espera fora de nossos planos! Agora entendo que era o Universo preparando um encontro bem especial... No penúltimo dia conhecemos um inusitado casal com o mesmo destino da gente... Paula, argentina e Javi, colombiano... A energia deles super positiva... a empatia foi imediata!
E foi o Ricardo (caminhoneiro brasileiro que nos faz companhia naqueles dias) quem deu a dica: os paraguaios das "cegonhas" são legais e sempre passam pela Argentina!
Já era noite e achamos mais garantido irmos só eu e Paula conversar com os tais cegonheiros, que naquele momento confraternizavam-se em meio aos caminhões... depois de muitas negativas, o "santo Jorge" (que até então estava quieto observando o diálogo) topou levar os quatro!
Combinamos partir no outro dia, bem cedinho...
Mas havia um detalhe: o objetivo da parada em San Pedro fora justamente economizar uma grana com as passagens e, como era tudo muito caro naquele lugar, não pretendíamos pagar mais outra diária... Então, aceitamos o convite do nobre casal... e com muito bom humor, enfrentamos aquela noite super fria do deserto, dormindo os 4 na barraca deles, armada num baú de caminhão emprestado pelo Ricardo... Como não tinha colchão, nem cobertor para nós (nos combrimos com o paninho que a Paula expunha os seus artesanatos), tivemos que tomar muito mate antes de deitar, para dar uma aquecida...
No dia seguinte, assim que os primeiros raios de Sol começaram a pintar o céu do Atacama, partimos rumo a Argentina. O mais legal foi quando descobrimos que iríamos todos lá em cima, dentro de um dos carros levados pela cegonha. A diversão foi garantida: "revesávamos" o volante, repartíamos os lanches improvisados ali na hora (tipo o pão integral recheado com pedaços de maçã, que a Paula inventou), cantávamos em "portuñol" para o tempo passar... tudo muito gostoso!
Logo que partimos, ainda nas mediações de San Pedro, o Jorge fez uma parada onde havia, à beira da estrada, um altar com uma imagem de Nossa Senhora... O nosso motorista desceu do caminhão, ajoelhou-se e fez uma oração! Senti-me ainda mais segura, estávamos sendo duplamente guiados.
Na fronteira Chile-Argentina, eu e Luiz ficamos muito surpresos (e extasiados!!) quando nos deparamos com o reggae de Edson Gomes tocando no rádio do posto policial (começamos a namorar no show dele!!) ... Depois rimos muito lembrando daqueles agentes argentinos carrancudos examinando nossos passaportes, e ao fundo as letras do som de Edson detonando com o Sistema... hahaha...
Em certa altura da viagem, os paraguaios nos deixaram no meio da estrada, dizendo que passariam em outra alfândega ali por perto, mas que logo retornariam para seguirmos adiante. Foi um dia inteiro de espera! Chegamos a pensar que haviam nos deixado ali, sem aparo, no meio do deserto... Mas no final da tarde, eis que surge a nossa cegonha, guiada pelos fiéis camaradas... Seguimos tranquilos "la viaje".
Jantamos e dormimos num posto de gasolina (os 4 no carro!) E eu só fui acordar com a cegonha já na estrada... Ainda era cedo quando os paraguaios chegaram em Jujuy e nos informaram que teriam que nos deixar ali. Descemos e fomos caminhando até a rodoviária... O próximo destino decidimos ali mesmo, naquela hora... Compramos as passagens para Salta e Paula e Javi decidiram ir direto para Buenos Aires... Emocionados, nos despedimos. Intimamente, todos nós sabíamos que, durante o partilhar daquela intensa vivência, uma verdadeira amizade nasceu entre os dois casais...
E foi lá em Salta, no dia do meu aniversário, que descobri a gravidez através de um teste de farmácia... Todo este tempo, Miguel já dentro de mim, e nem desconfiamos (na minha inocência, atribuía aqueles enjoôs a algum resquício da infecção intestinal que havia pego na Peru...).
Voltamos para o Brasil, 7 meses depois nosso filhinho nasceu!
É claro que sempre associamos a viagem na cegonha com a chegada de Miguel... Mas ficamos realmente impressionados quando descobrimos o que o destino havia preparando naquela ocasião...
Por algum motivo, perdemos o contato com Paula e Javi. Não nos comunicávamos desde a viagem... Foi quando, na semana passada, enviamos um e-mail para Paula contando as novidades e a surpresa foi enorme quando recebemos sua reposta: Eles também engravidaram e o filhinho deles, Ismael Felipe (também um anjo!), nasceu 5 dias antes de Miguel!
Quando nos encontramos em San Pedro, eu já estava grávida, sem saber, e a Paula estava prestes a engravidar (seu bebê nasceu de 8 meses)... Mas o fato é que por pura magia da vida, alguma força uniu os dois casais numa viagem tão inusitada... e a cegonha acabou transformando-se numa simbologia fortíssima da chegada desses pequeninos seres em nossas vidas!
Que felicidade gostosa que sinto quando dou conta dos encatos dessa vida... Toda gratidão...
E toda a LUZ para os anjinhos que Deus nos confiou para cuidarmos com tanto Amor...
São eles que confirmam, a todo instante, o entendimento de que e a Vida é sim um grande desafio, e que precisa ser aceita de mãos abertas, com toda verdade, gratidão e amor... assim poderemos vivê-la em sua intensidade, nos permitindo vivenciar histórias sublimes como esta relatada...
